A minha janela
O meu quarto em casa da minha avó tinha uma janela. Em frente tinha uma árvore, mas não era uma janela especialmente bonita. Dava para a rua, não para um jardim nem para o mar. Não era importante para onde dava a janela, mas sim o que dava para a janela. Tantas tardes e noites da minha infância sentado, deitado, aninhado na cama a ler. E à minha frente, a janela. Apesar da sua triste normalidade, era uma janela cheia de sonhos. Pousava o meu Júlio Verne e sonhava que o Capitão Robur nela atracava o seu dirigível e me recolhia abordo, que dela se estendia uma prancha e o Corsário Negro por ela me lançava aos tubarões dos mares do Sul, que uma pedrinha nos vidros eram a Ana, a Zé, o David, o Júlio e o Tim que me vinham buscar para uma aventura. Aquela janela era uma entrada para os meus heróis e uma saída para os meus sonhos. Mudo de casa, mudo de cidade, mudo de vida, de tamanho e de pele. Mas há sempre janelas. Temo o dia em que olhe pela janela e só veja a rua.