Eu tinha 15 anos e era um cromo.
O ZX Spectrum tinha sido lançado no ano anterior e os primeiros amigos a ter uma coisa dessas eram os Canavarros. Longas noites com os olhos a arder, em cima de uma TV na cave a jogar "Horace and the Spiders" e "Presidente" à vez, e os Dire Straits que não se calavam. 16K inteirinhos para brincar, uma fartura. O deslumbre de escrevermos uma coisa no teclado de borracha e... aparecia no ecrã! O mundo estava a mudar irreversivelmente e nós sentiamo-nos o Matthew Broderick no "Wargames", que tinha acabado de estrear nos cinemas. O futuro era agora. Não conseguíamos largar aquela coisa, ao ponto de o Gonçalo ter de nos dizer, com o seu ar mais sério, que "o computador está cansado, agora têm de ir para casa". E acreditávamos. Contrariados, mas íamos.


Foi como se fossemos católicos ferrenhos e o Papa decidisse vir jantar cá a casa. Como não sabermos o que vestir e o Cary Grant vir dar uma ajuda a escolher a roupa.
E o Keith lá veio, cheio de jogos e revistas e t-shirts, com a Ruth. Ele próprio contou a sua viagem na C+VG, no número de Novembro de 1986:

E os Campbell continuaram a vir. Nós fomos crescendo, cada vez se falava menos de aventuras, pois tudo tem um tempo, e mais se falava da vida, de crescer, das escolhas profissionais, dos pequenos nadas dos amigos. Até que perdemos o contacto. Creio que o Vasco ainda recebeu os Campbell mais umas vezes, mas a minha vida foi mudando -- muito muda, a minha vida -- e também perdi o contacto do Vasco.
Os anos passaram, os computadores mudaram, os gráficos melhoraram, as máquinas foram ficando mais complexas, mais multimédia mas, de alguma forma, perdeu-se a inocência das velhas aventuras de texto. Redescubro-as agora através da net, com os emuladores, e são como uma lufada de ar fresco. Uma boa história é uma boa história, com ou sem imagens.
Nos idos anos 80 de alguma forma senti que o (meu) futuro passava por ali. Nunca imaginei vir a trabalhar para uma Sony, uma Codemasters ou uma Electronic Arts. De consumir para fazer. Todos os dias tento não perder o "sense of wonder", nisto como em tudo.
Acordo de manhã, sento-me ao PC, olho para os emails, sorrio e penso "Eu faço videojogos. Ena pá!"
Encontrei este artigo sobre o Keith:
Keith Campbell - musings of an adventure guru
PS - Ontem a meio da noite lembrei-me deste artigo na C+VG e fui vasculhar as revistas antigas. Hoje googlei o Keith, pensando em escrever-lhe ou telefonar-lhe, e li que faleceu em 2006. Tarde demais. O meu mundo ficou mais pobre.